(Português) As obras começaram: e as hortas?


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As obras do eixo verde e azul já começaram em Sintra.

Ao longo do mês de maio puderam ver-se, na encosta do Monte Abraão que desce até ao rio Jamor, máquinas da Câmara Municipal de Sintra (CMS) a trabalhar e a mover terras. Primeiro pânico, depois a questão: então e as hortas?

 

Uma curta caminhada ao longo do rio permitiu ver que a maior parte das hortas ainda existe, muito embora se note que algumas já foram abandonadas pelos seus hortelãos, provavelmente também assustados com as máquinas da Câmara. É incrível, como tão pouco tempo bastou para que esse abandono se traduzisse em mato desordenado e lixo – evidenciando este facto, mais uma vez, a importância das hortas para a manutenção das margens do rio.

 

                                      Margem sem horta                                                                                     Margem com horta

 

Queríamos saber se as hortas estavam em risco ou não, e então contactamos o Luís, que conhecemos e entrevistamos no passado. Com a simpatia de sempre, recebeu-nos na sua horta, ou melhor, no que resta dela, já que, durante os trabalhos das máquinas, a cancela e a vedação que a protegiam foram destruídas, e pessoas com piores intenções haviam aproveitado para entrar no terreno e roubar e/ou vandalizar ferramentas e comida. Ao mesmo tempo, a CMS havia deixado um aviso escrito (a ele e a todos os hortelãos da zona) para retirarem os pertences até ao dia 15 de julho, pois as obras do eixo verde e azul estavam em curso e aqueles terrenos também seriam intervencionados.

 

 

Nesse aviso a CMS também convocava toda a comunidade de hortelãos para uma reunião. Nessa reunião, parece que as pessoas queixaram-se de terem sido avisadas com pouca antecedência, e que agora ainda não iam a tempo de colher o que andaram a semear, plantar e cuidar durante o inverno e a primavera. Tomate verde, courgete em flor, rebentos de feijão verde, tudo desperdiçado. Segundo o Luís, nem as árvores de fruto escapariam.

Mas essa reunião também serviu para outras duas coisas, que o Luís considerou boas. A primeira, foi a hipótese de se poderem inscrever, ele e toda a comunidade de hortelãos do Monte Abraão, num curso teórico-prático de agricultura biológica e permacultura, de 50 horas, oferecido pela CMS. A segunda, a possibilidade de se inscreverem também nas futuras hortas comunitárias do Monte Abraão. Por tudo isto, o Luís acha que a CMS teve um bom pensamento, mas que agiu com alguma descoordenação, sobretudo ao nível da comunicação e dos prazos definidos.

Quisemos conhecer o outro lado da história e por isso contactamos a União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão. O presidente Pedro Brás recebeu-nos com a mesma disponibilidade que, no passado, já nos havia recebido.  Explicou então que o prazo para a reorganização das hortas foi estabelecido pelos próprios hortelãos, durante a tal reunião em que inclusivamente esteve o vereador da CMS. Assumiu os erros de comunicação apontados pelo Luís, mas também deu uma boa notícia: que a intervenção nas margens do Jamor na zona do Monte Abraão irá ser feita respeitando e levando em conta a sua história e vivências do local. Contou que a CMS, durante os últimos meses, estudou aquele território, registando o desenho das hortas e o nome de quem as okupa. Foram contados 300 espaços de horta! Ou seja, a reordenação daquele território passará por construir novas hortas, mas que ocuparão sensivelmente os mesmos lugares das anteriores, e dar-se-á às pessoas que as trabalhavam a possibilidade de o continuar a fazer – agora de forma mais ordenada, com acesso a água e fiscalização municipal. O que se pretende é “legalizar” as hortas, formaliza-las e dar-lhes um apoio institucional.

Faz sentido. Sentimos que a CMS está a pensar bem e que esta ação pode constituir um exemplo de boas práticas e um tijolo para a nossa democracia. Senão vejamos:

  1. As pessoas que, através de hortas, okuparam as margens do rio Jamor e informalmente começaram a tomar parte da sua gestão – em pleno centro urbano, no meio dos prédios entre o Monte Abraão e Queluz;
  2. A autarquia que consentiu essa okupação, ao longo de mais de dez anos, permitindo o seu crescimento e densificação – chegando hoje a 300 hortas okupa só nesta zona!
  3. A autarquia quer agora reordenar o território e, ao invés de despejar os okupas, convoca-os e disponibiliza-lhes ferramentas de capacitação – como é o caso do curso; assume a importância dessas pessoas, enquanto atores na gestão do rio… claramente encontrando vantagens nessa gestão partilhada!

Interessa agora ficarmos atentos ao que se segue, pois o caso promete.

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