Foram as couves que hoje nos salvaram.
Relembramos que o objetivo deste projeto é produzir uma ferramenta de aprendizagem, sobre como okupar um rio. Queremos saber como as atividades de okupação aumentam a relação sustentável entre o rio e as comunidades, económica, social e ambientalmente. O nosso caso de estudo é o Rio Jamor.
Serão desenvolvidas pelo menos 3 fases: a primeira, fazer um primeiro contacto com os okupas das margens do Jamor, recolhendo informações de caráter geral sobre esta comunidade: quem são, o que fazem, porque o fazem; a segunda, conhecer de forma mais próxima as atividades de okupação, através da realização de entrevistas e outras formas de recolha de dados participada; a terceira, sistematizar toda a informação recolhida e realizar um pequeno filme.
A primeira fase está concluída: descemos o rio Jamor e conhecemos os okupas estabelecidos ao longo das margens do rio, desde a sua nascente, na Serra da Carregueira (Sintra), até à foz, na Cruz Quebrada (Oeiras). Estabelecemos um primeiro contacto: tentamos perceber quem são estas pessoas; apresentamo-nos, apresentamos o projeto. Sondamos acerca da sua abertura para participar. Fizemos um mapeamento das hortas okupas ao longo do Jamor. Num primeiro momento fomos quase sempre recebidas com estranheza (o que não é de estranhar, dada a natureza “ilegal” da prática okupa) – para depois ser recebidas com um sorriso na boca e, em muitos casos, um punhado de figos maduros na mão. Conversamos muito acerca da estranheza destes locais. Como se de universos paralelos se tratassem: perto e simultaneamente longe da urbe, fora do tempo e do espaço da cidade, mas ao mesmo tempo no meio dela. “Uma ilha debaixo da cidade”. Só mesmo estando lá, com os sapatos sujos pelo barro da terra, o cheiro a campo e o som do rio como música de fundo, quase esquecendo o cimento suburbano em redor, para saber que estranho sentimento é esse. Quase a fazer lembrar uma colagem surrealista.
Neste dia iniciamos a segunda fase do projeto Como okupar um rio. Lembram-se do Sr. Camões, o okupa sénior de Queluz? Foi ele o nosso primeiro entrevistado. O dia estava chuvoso, e receamos que, apesar do combinado, ele desistisse de aparecer, mas à hora marcada lá estava ele à porta da sua pequena horta okupa. A entrevista não foi realizada na horta onde o havíamos conhecido – sendo final de época, a horta havia sido limpa, e só tinha terra para mostrar. Foi o próprio Sr. Camões que decidiu dar a entrevista na segunda horta que okupa, podendo assim orgulhosamente mostrar as couves, as alfaces, os pimentos, os piripiris ou os chuchus que ainda lá tem. Como primeira entrevista filmada que recolhemos, a desajudar os chuviscos que teimavam em cair, o processo de montagem do material de imagem e som foi um pouco moroso, pouco agilizado, meio complicado. Apesar do compasso de espera, o Sr. Camões nunca perdeu a sua simpatia e vontade de conversar.
Depois de tudo montado e a entrevista devidamente preparada, tudo mais que pronto para começar a gravar, falharam as pilhas no micro principal. Mais dez minutos para num salto ir às bombas de combustível mais próximas a fim de comprar umas novas. A chuva sempre prestes a rebentar. O receio de molhar o material. O que nos valeram foram as couves para proteger o equipamento.
Mais de uma hora de entrevista e muitas informações preciosas para o projeto. Obrigada, Sr. Camões, pelo tempo e paciência que nos devotou.