Diário de Bordo I Dia 1 I Como okupar um rio


À procura de uma nascente

Queríamos começar pelo início, encontrar o local onde nasce o rio Jamor. Não foi fácil.

 

Contrariamente ao esperado, a web não informa acerca do paradeiro da nascente do Jamor. Tudo o que se lá encontra é uma vaga informação sobre como o rio nasce em 
Dona Maria, na Serra da Carregueira, concelho de Sintra. De câmara de filmar em punho, fomos nessa verdadeira expedição.

E descobrimos o seguinte:

a)      Dona Maria é uma pequeníssima aldeia nos subúrbios da Grande Lisboa, mas preserva ainda características bem rurais - pequenas quintas, um casario meio 
desordenado que desemboca em pequenos largos, estradas de terra batida e muitas fontes; em Dona Maria toda a gente se conhece e/ou tem grau de parentesco.

b)      O rio Jamor vai ganhando diferentes nomes, dependendo do lugar por onde passa (ribeira de Belas, ribeira do Brejo, ribeira de Dona Maria, etc); nasce em 
parte incerta, não formalizada ou reconhecida, e por isso as opiniões sobre o local divergem, como passamos a descrever.

 

 

Chegadas a Dona Maria, interpelamos no meio da rua uma senhora: “Bom dia, sabe onde fica a nascente do rio Jamor?” A resposta veio rápida: “A nascente do Jamor fica na Clara”. Explicou-nos o caminho, lá fomos nós. A meio do percurso, para nos certificarmos que não estávamos perdidas, fizemos a mesma pergunta a outros dois transeuntes. Eles explicaram-nos que não ali não se tratava do Jamor. “O rio Jamor só se forma mais à frente, em Queluz. Até aí, vai ganhando o nome do local por onde passa.” Também explicaram que não existe uma, mas várias nascentes, espalhadas pela zona. Algumas delas ficam, confirmaram, no terreno da tal Clara. Para lá chegarmos, teríamos de ir até ao Casal do Brejo, encontrar uma casa verde, e que aí haveria alguém que certamente nos ajudaria a chegar às nascentes. “Digam que vão da parte do Zé Pedro.”

Meu dito, meu feito. Foi na casa verde que o segredo da nascente do rio Jamor começou a desvendar-se. A pessoa que aí encontramos revelou ser uma verdadeira fonte de conhecimento sobre o assunto. A Natália, que era prima do Zé Pedro e casada com o afilhado da Clara, explicou que “não se tratam de nascentes, mas sim de minas de água. Como existe muita rocha naquela zona, a água tem tendência a permanecer à superfície, e as minas resultam da acumulação dessa água. Quando estão cheias, transformam-se em pequenos leitos de água, que correm e se juntam a certa altura, criando então um ribeiro.” Mostrou-nos no mapa os locais de algumas destas minas e leitos, mas também nos avisou que na sua maioria estão enterrados, pelos donos dos respetivos terrenos ou pelo Estado. Salientou, no entanto, que uma das minas mais importantes ainda se encontra a céu aberto, e cuja água que faz correr é suficientemente abundante para encher uns tanques aí existentes, construídos há mais de 200 anos. “Essa mina encontra-se num terreno, cujo dono não vive longe. Um tal Henrique, dono de uma casa amarela, aqui no Casal de Brejo.” Fomos tocar à porta, mas ninguém nos atendeu…

Só para terminar, quando já no regresso metemos conversa com o dono do café onde fomos descansar e aliviar a fome (depois de tamanha expedição), ele nos disse muito convictamente que a nascente do Jamor é dentro do Lisbon Sports Club.

 

 

No final de tudo, e porque não aceitávamos virmo-nos embora de Dona Maria sem pelo menos ver água, este foi o registo possível que conseguimos da nascente do Jamor. Por agora.

 

 

Nota: os nomes utilizados neste texto são fictícios, para preservar a privacidade dos intervenientes.

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