Após a tendência do século XX de casas okupadas, trazemos para o século XXI uma nova necessidade: okupar rios. Ao usar modelos económicos insustentáveis, as comunidades urbanas têm perdido os seus rios como um bem comum. É urgente resgatar a relação antiga entre ambos. Como okupar um rio é uma ferramenta de aprendizagem de investigação e desenvolvimento, que visa mostrar como uma comunidade pode resgatar um rio pelo bem comum.
A relação rio-cidade é essencial para o desenvolvimento urbano. A disponibilidade de água foi sempre um dos factores decisivos para o estabelecimento definitivo das populações.
Com o avanço industrial, as relações rio-cidade mudaram. Existe uma separação funcional, causada por grandes obras de correcção perpetradas nos rios urbanos, agravadas pelos fortes níveis de poluição de dos leitos e margens. Se os maiores rios são utilizados quase que exclusivamente para fins económicos, os mais pequenos, geralmente extremamente poluídos, constituem, nas cidades, áreas a serem evitadas, e muitas vezes são enterrados. Em ambos os casos, as comunidades urbanas já se não conseguem relacionar com os rios como bens comuns.
Com o Jamor, o mesmo ocorreu. Nos anos 80, o rio já estava poluído, tendo sofrido alguns trabalhos de correcção. Durante décadas, o Jamor é um rio sujo, mal cheiroso e as suas margens estão cheios de lixo e mato não tratado. Consequentemente, as comunidades voltam as costas ao Jamor.
No entanto, hoje as coisas começam a mudar. As autoridades começam a preocupar-se com a poluição do rio e a tomar algumas acções para eliminá-la. Ao mesmo tempo, as pessoas ocupam as margens dos rios, construindo (muito embora informalmente) hortas urbanos e jardins de lazer. As pessoas estão a recuperar o Jamor como bem comum.
A urgência de combater a fome nas cidades (devido à austeridade governamental), juntamente com o trabalho crucial de melhorar e construir mais espaços verdes em contexto urbano, tornam esta numa ideia inovadora e trans-setorial – construindo pontes entre arte, ecologia, cidadania, agricultura, sociologia e novas plataformas, cuja abordagem à investigação se abre a parcerias e métodos de trabalho inovadores . Além disso, promover-se-á uma sociedade mais consciente sobre esta questão. Realizar este projecto constitui um passo na construção de uma sociedade mais coesa e resiliente, com maior solidariedade e equidade, e um senso de justiça mais forte.
Okupar um rio envolve alguns passos: 1. Pensa sobre um rio cuja relação com a comunidade está em perigo Aqui usaremos o caso do Jamor, na área metropolitana de Lisboa. Esta é a região mais densamente povoada de Portugal. 2. Procura okupas ativos Trabalharemos no estudo de caso do Jamor. Queremos saber como as atividades de okupação aumentam a relação sustentável entre o rio e as comunidades, económica, social e ambientalmente. 3. Pesquisa - Participa - Age Usaremos um tipo de pesquisa de acção participativa. Este método de pesquisa enfatiza participação e acção. Através desta metodologia, também contribuiremos para a okupação do rio, fornecendo as ferramentas de capacitação dos okupas - por ex. mapeamento colectivo, trabalho em rede (off e on-line), parcerias (promoção de solidariedade e equidade), empreendedorismo. 4. Sistematiza todo o conhecimento e compartilha-o Toda a actividade será documentada e, com os dados recolhidos, produziremos uma ferramenta educacional, um filme intitulado Como okupar um rio. Esta ferramenta será elaborado no final do projeto de um ano e proporcionará continuidade ao movimento de okupação do rio. Isso trará sustentabilidade ao projeto, permitindo sua replicação e ampliando seu impacto a longo prazo; estará disponível, gratuitamente ou através de uma doação, a toda a gente que tenha o desconfortável sentimento de quem perdeu um rio e o quer de volta. Como okupar um rio traz consciência e dá valor aos rios como bens comuns no contexto urbano, promovendo também uma sociedade mais coesa e inclusiva.
O nosso grupo-alvo é a população que desenvolve actividades okupas no Jamor. Uma grande parte dessa população usa as suas margens para cultivar alimentos. Com recursos financeiros muito baixos, ou mesmo nenhuns, usam hortas urbanas como meio de subsistência. São na sua maioria imigrantes que sofrem de baixa escolaridade, desemprego ou precariedade laboral e exclusão social. Há outras pessoas que também okupam o Jamor: usam as margens do rio para fazer actividades de lazer, como passeios, desporto ou simplesmente sentados no meio de uma zona verde, lendo ou gozando a natureza. Existe mesmo um movimento de cidadãos, Vamos Salvar o Jamor, que quer parar a construção de um mega empreendimento privado numa das suas margens.
Utilizaremos métodos de pesquisa participativa para envolver os grupos-alvo, como grupo focal, storytelling, mapeamento colectivo, entre outros. Na pesquisa participativa, são os participantes que controlam a agenda de pesquisa, o processo e as acções. Mais importante ainda, as pessoas em si são as que analisam e reflectem sobre a informação obtida, a fim de chegar aos resultados e às conclusões do processo de pesquisa. A pesquisa participativa envolve inquirir, mas também agir. Com esta metodologia, pretendemos não apenas recolher informações sobre como reabilitar um rio, mas também capacitar os nossos grupos-alvo, incrementando e aumentando o impacto das suas práticas.
No futuro, queremos envolver novos grupos-alvo, nomeadamente pessoas que podem aceder o produto do projecto, ou seja, qualquer pessoa que tenha a sensação desconfortável que perdeu um rio e o quer de volta.
Como okupar um rio é um projeto promovido pela Academia Cidadã.
A investigação realizada para desenvolver esta ideia é financiada pela European Cultural Foundation.