Façamos uma Europa da Democracia


Entre os dias 27 e 30 de Maio de 2016 a fundação Pakhuis de Zwijger, na Holanda, promoveu o encontro de mais de 600 ativistas, vindos dos quatro cantos de Europa. A estes ativistas apelidou de “City Makers”, cuja tradução à letra para português é “Fazedores da Cidade”, pelo seu envolvimento em ações de democratização das cidades, enquanto espaços de inclusão, prosperidade e resiliência. Foi então durante o “City Makers Summit”, a “Cimeira dos Fazedores da Cidade”, que as seis centenas de ativistas se encontraram, para falar sobre os principais problemas das suas cidades, e das práticas que têm vindo a ser desenvolvidas para os resolver.

 

Fazedores da Cidade

 

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Visita ao centro de Zaanstad, que foi completamente renovado nos últimos 5 anos, procurando oferecer mais inclusão, funcionalidade e beleza visual.

 

Esta cimeira tinha dois objetivos principais. O primeiro era o de oferecer aos participantes visitas a projetos ou iniciativas de base local holandeses, com ações desenvolvidas em contexto urbano, tendo em vista o melhoramento das cidades e das vidas das pessoas que lá moram. As visitas deram-se em Amesterdão, e também noutras cidades da Holanda. Claramente refletiram o trabalho que a Pakhuis de Zwijger tem vindo a desenvolver nos últimos anos, que tem sido o de criar redes de ligação entre este tipo de iniciativas, primeiro dentro de Amesterdão, depois em toda a Holanda, e, no último ano, em toda a Europa. O segundo objetivo da cimeira foi o de ajudar a elaborar a City Makers Agenda, um documento construído por iniciativa da fundação, e para o qual terão servido os conteúdos, ideias e conclusões dos inúmeros debates, mesas redondas e seminários desenvolvidos durante a cimeira. Partindo da experiência vinda do terreno, oferecida pelos “Fazedores da Cidade”, a Pakhuis de Zwijger desenvolve um documento focado nos diversos problemas que hoje vivemos nos meios urbanos, tais como, o problema da habitação acessível, da inclusão de refugiados e migrantes, da pobreza urbana e da qualidade do ar – tendo em vista a sua apresentação junto da Presidência do Conselho da União Europeia, que durante o ano de 2016 se encontra, entre outros, em Amesterdão. A ideia é, através deste documento, realizar uma atividade de lobbying, procurando interferir diretamente nas decisões presentes na Agenda Urbana da União Europeia.

Através de uma programação ambiciosa, a cimeira envolveu participantes de todos os espectros sociais: ativistas, governantes e empreendedores, que puderam conversar acerca dos interesses que os unem, bem como das divergências que os separam. Beber do conhecimento de quem já experimentou, questionar, refletir, tirar conclusões. Foi assim um debate feito a muitas vozes, diferentes no idioma mas também muitas vezes nas convicções expressas. De facto, esta cimeira refletiu bem a diversidade que se vive no território dos países da União Europeia, que ultimamente tem trazido mais conflitos do que consensos. O que a Pakhuis de Zwijger fez, foi ajudar na produção dos consensos.

 

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Debate sobre Rendimento Básico Incondicional, com a participação de Frans Kerver e Sjir Hoeijmakers.

 

 

Cidades da Democracia

 

Praticamente unânime foi contudo a opinião das pessoas que se juntaram à volta da mesa redonda, realizada no terceiro dia da cimeira, sobre o tema da Pobreza Urbana. Defenderam que a União Europeia tem tido dificuldade em chegar com os seus fundos financeiros a este problema e assim erradica-lo. A pobreza urbana é uma forma de pobreza relativamente recente, sendo que, na Europa, este é um fenómeno que surge apenas durante as últimas décadas. Houve tempos em que se vinha para a cidade para fugir da pobreza no campo. As cidades, ao contrário dos meios rurais, eram lugares de oportunidades, onde muitas pessoas procuravam melhores condições de vida, futuros mais promissores, existências mais leves. No entanto, com o aumento das taxas de desemprego nas cidades, a pobreza urbana torna-se num fenómeno cada vez mais frequente e grave. Pois se num contexto rural existem normalmente redes de apoio social informais que ajudam a suportar os que são socialmente mais fragilizados, evitando que passem fome ou que durmam na rua, já nas cidades, onde o individualismo impera e onde falham as redes sociais, o problema da pobreza ganha uma maior gravidade, trazendo consequências cada vez mais trágicas – para as pessoas que sofrem de pobreza, mas também para a sociedade em geral.

Esta mesa redonda, que se realizou no espaço da Fab City, contou com a presença de ativistas oriundos de várias organizações europeias da sociedade civil, representantes de governos de alguns Estados Membros, jornalistas, etc. A Academia Cidadã também esteve presente, representada pela Joana Dias. Foi ela que abriu o debate, com uma intervenção em que denunciou a ineficácia dos programas de financiamento da União Europeia para combater a pobreza urbana:

  • Pela complexidade das candidaturas, ao nível da burocracia e da linguagem, praticamente inacessível à maioria dos cidadãos comuns;
  • Pela falta de divulgação de informações acerca desses programas na sociedade civil, e nomeadamente junto das iniciativas de base local;
  • Pela falta de abrangência dos financiamentos – estes cobrem apenas as despesas inerentes a projetos, não financiado as associações que os promovem, nomeadamente despesas com a sede, salários de funcionários, etc.;
  • Pela sua insustentabilidade – a pobreza urbana é fruto de problemas estruturais, que não se resolvem através de projetos que têm durações de um ano, ou ano e meio, que é normalmente o tempo de duração dos financiamentos disponibilizados;
  • Por financiarem apenas soluções teóricas, em detrimento de ações reais – o dinheiro vai na sua maioria para pagar a realização de reuniões de especialistas (os maiores gastos dos projetos financiados pela EU prendem-se com viagens de avião, hotéis e restaurantes!), e raramente chega para promover ações no terreno.

 

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Mesa redonda sobre Pobreza Urbana, moderada por Iván Tosics.

 

Depois disto, mais problemas foram apontados por outras pessoas presentes, a saber, que não existe uma homogeneidade a nível europeu no acesso aos fundos de financiamento, a saber, os critérios de elegibilidade são diferentes de Estado para Estado, havendo verdadeiras ilegalidades e injustiças a serem cometidas, sem que a EU nada faça para as evitar. Muito dinheiro para poucos e pouco dinheiro para muitos foi o mal apontado.

Assim, a maioria dos presentes concordou com a necessidade de se realizar mudanças estruturais e metodológicas, no funcionamento dos fundos da União Europeia. Deverá ser questionado “o que financiar?”, e, a partir daí, orientar a utilização desses fundos para responder aos problemas sociais que vivemos. Deverão ser mais acessíveis a todos os cidadãos, proporcionando uma maior segurança financeira. Devem por isso também tornar-se mais maleáveis e orgânicos, procurando a cada momento adequar-se às realidades existentes em cada região da Europa, respondendo às necessidades reais que cada Estado Membro possui. E deverão financiar ações reais, não apenas soluções teóricas. Várias vozes defenderam a necessidade de haver um maior controlo por parte dos cidadãos, acerca de como as verbas europeias são utilizadas pelos Estados Membros. Um controlo público que garanta que o dinheiro vai mesmo para quem mais precisa.

 

 

Fazedores da Europa

 

Esperamos agora que estas, e as outras intervenções feitas durante as reuniões, mesas redondas e debates que se realizaram durante esta cimeira, venham a ser incluídas na City Makers Urban Agenda. Uma primeira versão do documento foi já apresentada durante a conferência ministerial informal para a Agenda Urbana da União Europeia, no passado 30 de Maio. Aí estiveram presentes comissários europeus, presidentes, ministros e outras instituições europeias. O documento foi aceite em mãos pelos ministros responsáveis pelos assuntos urbanos dos 28 Estados Membros da União Europeia.

Muito embora conscientes do caráter mais simbólico do que real desta entrega, esperamos que a mesma tenha, num futuro breve, um reflexo real nas políticas urbanas desenvolvidas pela União Europeia. Pois é urgente que as instituições europeias mostrem que estão verdadeiramente do lado das cidadãs e dos cidadãos que habitam a Europa. Que as políticas que desenvolvem servem mesmo para melhorar as vidas das pessoas, criando mais oportunidades, inclusão, sustentabilidade ambiental, igualdade. E, com isto, que o caminho, a nosso ver negativo, que tem vindo a ser trilhado nos últimos anos pelas instituições europeias, onde estão incluídas medidas como a exigência de austeridade e cortes cegos em áreas como a saúde ou a educação, ou a falta de solidariedade pelos refugiados chegados a território europeu, ou ainda a falta de igualdade no tratamento fiscal e financeiro entre os Estados Membros, que mais não tem feito do que dar força a movimentos radicais e extremistas anti-Europa, que esse caminho seja redirecionado. Redirecionado para uma Europa da justiça, da igualdade de oportunidades, da diversidade étnica, religiosa, cultural, da liberdade de expressão. Façamos assim uma Europa da Democracia.

 

imagens:

@Academia Cidadã

@Pakhuis de Zwijger

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