Sociedade

Ativistas protestam contra furo de prospeção de gás em Leiria. “Vamos impedir as máquinas de trabalhar”

17 julho 2019 15:42

Helena Bento

michel porro/getty images

A manifestação e a dita “ação” ou ocupação do terreno da empresa australiana que assinou um contrato com o Governo português para abrir um furo de prospeção de gás fóssil na Bajouca, freguesia do concelho de Leiria, vão ser preparadas durante um acampamento cujo programa inclui também workshops, sessões de yoga e meditação, formações e debates sobre alterações do clima e “justiça climática”. A comunidade local é dos principais participantes e convidados. Começa esta quarta-feira e prolonga-se até domingo

17 julho 2019 15:42

Helena Bento

A marcha tem um propósito claro, que é protestar contra as alterações climáticas e, em concreto, contra os furos de gás e, mais em concreto ainda, contra a empresa australiana que pretende abrir um furo de prospeção e exploração de gás fóssil na Bajouca, freguesia do concelho de Leiria onde vivem cerca de dois mil habitantes, mas incluirá uma “componente” que não se pretende “esconder” e que João Castro, que faz parte de duas associações com preocupações na área do ambiente, anuncia e resume assim: “Iremos ocupar os terrenos que a empresa já adquiriu para fazer a prospeção”. A ação, disse numa entrevista ao Expresso, “tem como único alvo a empresa, não a polícia, ou a Câmara, ou o Estado”. “E uma finalidade muito clara que é enviar a mensagem de que no dia em que as máquinas vierem para o local, nós iremos estar ao lado da população a impedir que comecem a trabalhar”, assegurou.

A manifestação e a ação, marcadas para o próximo sábado a partir das 9h (o ponto de encontro será na sede da Associação Bajouquense para o Desenvolvimento, ABAD) estão a ser preparadas há meses e os últimos detalhes vão ser afinados no dia anterior, sexta-feira, durante o acampamento, Camp-in-Gás, que o Climáximo, coletivo de ativistas pela justiça climática a que João Costa pertence, está a organizar em conjunto com outras seis associações: a Linha Vermelha, Movimento do Centro contra a Exploração do Gás, Peniche Livre de Petróleo, Climate Save Movement, Academia Cidadã e a já referida ABAD. Começa já esta quarta-feira e prolonga-se até domingo, 21 de julho, e o programa inclui oficinas, workshops, sessões de yoga e meditação, formações e debates.

Algumas destas atividades vão ser realizadas por membros da comunidade local (também a comida, vegana, será feita com produtos da comunidade de produtores do distrito de Leiria, e houve canecas encomendadas aos oleiros locais), sendo prioridade da organização do acampamento envolver a população da Bajouca, que “está naturalmente preocupada com a possibilidade de se abrir um furo de prospeção de gás ao pé das suas casas”, diz João Costa, especificando que “há casas a 200 e a 500 metros dos terrenos de prospeção”. “Apesar de as pessoas não terem muita informação técnica, sabem que há perigos e que há possibilidade de contaminação, e por isso estão contra esses projetos.”

Além do furo na Bajouca, está previsto outro em Aljubarrota (Alcobaça), feito pela mesma empresa, a Australis Oil & Gas, que, e de acordo com uma investigação do site de jornalismo independente Fumaça, fez um acordo em 2015 com o Governo português e passou a deter, durante oito anos (prorrogáveis por mais dois) os direitos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás em cerca de 2,510 km2 de subsolo nacional. Ainda segundo o mesmo site, as populações só no ano passado perceberam que havia a intenção de furar as suas terras e, tendo sido apanhadas de surpresa, reagiram com grande descontentamento.

imagem cedida pela organização.

“Vamos dar apoio legal, psicológico, o que for preciso”

As dúvidas são, de facto, muitas, e por isso foram convidados dois ativistas internacionais “focados na causa do gás” para esclarecê-las numa sessão a realizar durante o acampamento, adianta João Costa, esclarecendo que as alterações climáticas, num sentido mais lato, também serão abordadas. “Queremos introduzir esse tema e mostrar que os furos na Bajouca ou em Aljubarrota, nas Filipinas ou na África do Sul, têm a mesma gravidade porque a poluição e os gases com efeito de estufa não têm fronteiras.”

Mas o ponto alto, à falta de melhor termo, será mesmo no sábado, com a manifestação e ocupação dos terrenos da empresa australiana. Conhecimento técnico e legal é algo que não se espera que falte: “A sessão de esclarecimentos de sexta-feira será muito importante, até para as pessoas se sentirem confortáveis com o que vão fazer, que é no fundo uma invasão de propriedade privada”. Mas está tudo acautelado, assegura: “Sabemos que não é legal mas temos como nos defender”. Há “vários níveis de envolvimento”, diz ainda, “e cada pessoa escolhe até que ponto quer estar envolvida e quais as consequências disso”. “Vamos dar apoio legal, psicológico, o que for preciso.”

Para quê?

Também é preciso ter em conta, e João Costa faz questão de reforçar isso, que o limite para o aumento da temperatura global estabelecido pelo acordo de Paris de 2015 irá, se não houver uma mudança urgente de políticas, ser ultrapassado, e que as metas definidas ainda estão lá bem longe. “A questão da justiça climática é muito importante para nós, porque como povos ocidentais podemos não sentir as consequências disto, mas há quem vá senti-las, como as nações subdesenvolvidas. E as populações desses países terão de fugir e vão fugir para a Europa e outros continentes e não vão ser bem recebidas e ainda menos acolhidas.”

É um verdadeiro “contrassenso”, afirma João Costa, na medida em que “nós causamos o problema mas depois não aceitamos estas pessoas”. E as reservas de combustíveis fósseis têm aqui um impacto especialmente negativo. “Se extraídas todas as reservas que se conhecem de gás natural, o aquecimento vai ser superior a 2ºC”, acrescenta o porta-voz, criticando a “narrativa que se vende de que o gás, assim como outras substâncias, são combustíveis de transição, e ao mesmo tempo continua-se à procura e a abrir mais e mais buracos”. Para quê?