A freguesia de Santa Maria Maior tinha, em dezembro de 2016, 2251 anúncios na plataforma de aluguer de curta duração Airbnb, seguida pela Misericórdia com 1968 ofertas.
PorSara de Melo Rocha26 Abril, 2017 • 18:03
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De acordo com os dados API, a interface de programação de aplicações da plataforma, a freguesia de Arroios concentra 1305 anúncios de residências para turistas, Santo António conta com 951 ofertas e São Vicente tem 856 casas para aluguer de curta duração no site Airbnb.
Estas cinco freguesias concentravam 7331 anúncios da plataforma Airbnb em dezembro de 2016, contrastando com outras localidades da capital como Benfica com 62 ofertas ou Marvila com 36 residências para curta estadia.
Oiça a reportagem da jornalista Sara de Melo Rocha com sonoplastia de Miguel Silva 00:0013:30
De acordo com dados de setembro de 2016, fornecidos pela junta de Santa Maria Maior, estão registados 1653 apartamentos de alojamento local na freguesia, que correspondem a 15% da totalidade de residências.
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Os ‘superhost’
A maioria dos anfitriões anuncia apenas uma casa, mas há um top dez que concentra quase 600 anúncios, englobando os anfitriões que mais propriedades oferecem no site da Airbnb.
É o caso de António Quintão, um dos gestores da Feels Like Home, uma empresa de gestão de alojamento local com ofertas de dormidas em todo o país.
“Nós temos cerca de 240 apartamentos em Portugal, 160 ou quase 170 aqui em Lisboa. Aí somos prestadores de serviço, onde o proprietário coloca o apartamento connosco, fazemos um contrato de prestação de serviço ao abrigo do alojamento local e somos prestadores de serviços, temos uma comissão para todo o serviço que desenvolvemos”, explicou o gestor.
A empresa trata da promoção dos apartamentos, da receção de hóspedes e de outros serviços relacionados com a lavandaria e limpeza.
António Quintão quis profissionalizar um setor paralelo com pouca legalização, tornando a empresa num “prestador de serviços qualificados na área de alojamento local”.
Além da gestão de apartamentos e casas, a empresa também aluga edifícios “durante 15, 20 anos”, fazendo uma parceria com os proprietários em termos de requalificação dos imóveis, que “podem ser parceiras ou assumimos essas obras por inteiro”. Depois de concluída a construção, a empresa goza de um período de carência, “para nos permitir que o negócio seja rentável, e depois fazemos uma operação independente, como se fosse um contrato de arredamento a longo termo”, explicou.
Carla Costa Reis tem também uma empresa de gestão de alojamento local, que surgiu como forma a escapar ao desemprego.
“No início de 2012, foi o boom dos despedimentos em Portugal, com imensa gente sair” contou à TSF, acrescentando que foi abordada por vários amigos que lhe pediram para gerir a casa nas plataformas de alojamento de curta duração, enquanto estivessem fora do país. “Foi assim que começou aquilo que viria a ser a Turisma, a ajudar pessoas que queriam manter a casa, precisavam de pagar a casa ao banco”, relatou Carla Costa Reis.
Hoje gere 30 habitações de alojamento local e chegou ao estatuto de “superhost” no Airbnb, alcançado por anfitriões experientes e dedicados.
“Para ser superhost é preciso responder logo, assim que eles perguntam, estar disponível para qualquer alteração que eles queiram fazer, eu tenho cuidado com a cama, com a roupa, com a lavandaria, com o conforto. É ter, de facto, muito cuidado com as coisas que se apresenta às pessoas”, explicou.
Santa Maria Maior perdeu 11% da população em três anos
O crescimento de alojamento local em cidades como Lisboa e Porto tem lançado o debate um pouco por todo o país. Se, por um lado, há quem ganhe com a chegada dos turistas a Portugal, há outros que não encaram com bons olhos os efeitos que o turismo tem na habitação de longa duração.
“Temos conhecimento de vários casos, dezenas de famílias que estão a passar por este processo de pressão dos senhorios e de expulsão das suas casas” para dar lugar ao alojamento local, explicou à TSF Luís Mendes, um dos representantes do “Morar em Lisboa”, um movimento de cidadãos que pede a mudança das políticas habitacionais na capital.
Luís Mendes, professor e investigador no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, receia que a onda de turismo em Lisboa torne “o centro da cidade muito monofuncional” em que os “grupos mais vulneráveis não vão ter capacidade de poder pagar as rendas que são pedidas no centro da cidade”.
O movimento “Morar em Lisboa” defende que “o turismo pode ser controlado” através, por exemplo, do uso de pressão por parte da Câmara Municipal de Lisboa (CML) junto de plataformas de alojamento de curta duração como o Airbnb, Homeaway ou Booking.com.
Por outro lado, Miguel Coelho, presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior, defende a “implementação de uma quota para o alojamento local que não rompa o equilíbrio e a coesão social que existe naquele microambiente”.
Com uma área de três quilómetros quadrados, a freguesia de Santa Maria Maior tem uma média de 200 mil visitantes por dia, contrastando com os cerca de 11 mil habitantes. Miguel Coelho não quer declarar guerra ao turismo, que “é fundamental e dá emprego a muitas pessoas”, mas está preocupado com a saída de cerca de 11% dos eleitores nos últimos três anos.
“É muito, é significativo, e deixa-me, enquanto presidente da junta, preocupado”, frisou, acrescentando que “a população que mora aqui está a ser empurrada para fora da freguesia, em virtude de uma errada perspetiva de desenvolvimento económico e de oferta económica que está aqui a ser criada muito dependente de determinado tipo de turismo”.
Turismo não é o único culpado
Carla Costa Reis lamenta que o turismo seja o bode expiatório para explicar a saída de população e diz que a venda de património por parte da CML, o estatuto de residente não habitual e os “vistos gold” também contribuem para a atual situação.
A gestora aponta ainda o dedo aos hotéis que colocaram “na boca dos vizinhos toda aquela argumentação que servia os interesses de um lóbi, que é antigo, pesado em Portugal e no mundo que são os hoteleiros”, contribuindo para uma “animosidade contra o alojamento local dos vizinhos”.
Do lado dos turistas, há trabalho a ser feito através do “Lisbon does not love”, uma plataforma online que mostra aos turistas “quais são os incómodos de cada veículo, serviço turístico” para quem vive na cidade, explicou Antoine Carieno, um dos representantes do movimento.
O grupo distribui cartazes e panfletos pelos visitantes, alertando-os para os efeitos para os habitantes da “turistificação” da cidade e ensinando-os a evitar armadilhas para turistas.
Luís Mendes defende que a taxa municipal turística, que garantiu à CML 12,4 milhões de euros em 2016, deve ser aplicada “nas infraestruturas do bairro, reforçando a recolha de lixo, reforçando – agora que é de gestão camarária a Carris – os itinerários dos autocarros”, ao invés de ser usada para reforçar mais equipamentos de turismo.
Lisboa arrisca-se “a ter bairros única e exclusivamente dedicados ao turista, vazios de gente”, alerta o investigador e prevê que “o único papel que fica reservado aos moradores é o de serem figurantes neste filme e não serem protagonistas”.