Disponibilizar a habitação pública existente e o investimento público em habitação são as soluções inadiáveis para aumentar a oferta e reduzir o preço. 23 de Junho de 2020, 10:30 Partilhar notícia
O Município de Lisboa tem em desenvolvimento dois programas de arrendamento destinados à chamada classe média e média baixa – o Programa de Rendas Acessíveis (Lisboa PRA Todos) e, actualmente, o Programa de Renda Segura (PRS).
Para o primeiro, além de lhe destinar algum património seu, adquiriu recentemente alguns edifícios à Segurança Social, que esta tinha devolutos ou em vias de serem desocupados, tendo despendido umas dezenas de milhões de euros, necessários para as obras necessárias e vultosas com vista à sua utilização futura pelos inquilinos que lhes tiverem acesso.
Se a utilização de património próprio é uma solução óbvia, senão mesmo obrigatória e quando muito peca por tardia, a aquisição de património à Segurança Social levanta algumas reservas e questões que entendemos pertinentes.
Sendo a Segurança Social um serviço público, embora de natureza particular uma vez que recolhe e gere as contribuições dos cidadãos destinadas à sua aposentação e outros apoios de natureza social, não se entendem as razões que levaram a esta alienação de património e respetiva aquisição pelo Município de Lisboa, embora se tenha mantido na esfera pública, para o que terá ainda de desembolsar ainda mais uns milhões de euros em obras de conservação e reabilitação antes da sua utilização.
De salientar que este património uma vez alienado, deixará de ter o rendimento prolongado para a Segurança Social, razão pela qual foi adquirido. Se não tinha o rendimento e a conservação apropriados, responsabilize-se a gestão. Coisa difícil, sabemo-lo bem.
Ou seja, em vez de alienação versus aquisição, faria mais sentido ter-se constituído uma Bolsa com património do Município e da Segurança Social, reabilitando-o e rentabilizando-o, gastando apenas uma parte do dinheiro nesta ação.
Tal Bolsa, poderia posteriormente vir a envolver outras entidades públicas com património disponível, e a colocar as casas no arrendamento, sendo gerida convenientemente. Deste modo o Município não teria de gastar duas vezes o dinheiro, uma parte na aquisição e outra na reabilitação.
Ou seja, utiliza-se dinheiro público entre entidades públicas, especulando e garantindo mais valias como se de negócios entre privados se tratasse, o que não tem qualquer justificação decente, em vez de se envolver e juntar essas mesmas entidades na disponibilização e partilha do património que detêm, com vista a proporcionar mais e melhores soluções para os imensos e gravíssimos problemas da habitação na cidade.
De iniciativa municipal, a constituição de uma ou mais Bolsas, com património público, gerida com competência e com ganhos atrativos, possibilitaria ainda agregar património de outras entidades do setor social, bem como de particulares com pouco património e com dificuldades de gestão, proporcionando mais quantidade e melhor qualidade na oferta para arrendamento com preços compatíveis com os rendimentos das famílias, combatendo-se deste modo, com maior eficácia, a especulação.
Quanto ao Programa Renda Segura, pergunta-se porquê ir arrendar ao setor privado, quanto estão presentes na cidade diversas entidades públicas e do setor social com imenso património disponível? Estão neste caso diversos departamentos do Estado Central, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma entidade totalmente pública, outras Santas Casas, IPSS diversas, Fundações, entre outras instituições de natureza similar.
Sabendo-se que todas estas têm imenso património sem utilização, ou degradado, ou no mercado especulativo ou de luxo, quase todo isento de impostos – basta passar em muitas ruas, avenidas e praças da cidade para o confirmar – seria inquestionável que o Município de Lisboa contratualizasse em primeira linha este património para o alocar ao arrendamento, agregando-o à Bolsa acima referida ou constituído outra Bolsa se assim se justificasse.
Além destes, também se deveriam considerar instituições privadas como os Fundos de Investimento e os Bancos que, isentos de impostos e muitos outros e engenhosos benefícios, detêm muito imobiliário devoluto em espera de arrecadar chorudas mais valias.
Haverá ainda que se saber quanto vai pagar o Município pelas rendas aos senhorios e quanto vai receber pelo subarrendamento. Não indo cobrar rendas superiores porque seria um contrassenso – seria preferível o inquilino arrendar diretamente ao senhorio – serão praticadas rendas inferiores suportando o município a diferença da renda, mais os gastos de gestão, dos seguros e de manutenção das casas arrendadas! Assim sendo, o Município estará a pagar duas vezes a renda aos senhorios, a renda direta mais o acréscimo resultante da diferença entre a renda paga ao senhorio e a recebida dos inquilinos, tipo subsídio, bem como o valor das isenções e benefícios fiscais e da gestão e conservação. E no caso de haver incumprimentos será o Município que assume o prejuízo! Tudo sem qualquer risco para os senhorios! É só sentarem-se e receberem as rendas, limpinhas!
É bom ser senhorio em Portugal. E em Lisboa ainda melhor.
Disponibilizar a habitação pública existente e o investimento público em habitação são as soluções inadiáveis para aumentar a oferta e reduzir o preço.
Regular e fiscalizar o mercado de arrendamento é uma necessidade inquestionável.
Revogar a atual legislação e elaborar uma nova Lei do Arrendamento está mais que justificado.
É imperioso reprimir o mercado clandestino de aluguer de casas sem contrato de arrendamento, de quartos, de esconsos, de camas, de casas insalubres e sem condições dignas, de fuga ao fisco, de exploração dos jovens e dos imigrantes, de perseguição aos inquilinos idosos e fragilizados, da expulsão dos residentes da cidade.
A propriedade não pode ter mais direitos que os cidadãos. Os direitos da propriedade não podem prevalecer sobre o direito dos cidadãos a uma habitação condigna.
A habitação tem uma função económica e social que é urgente assumir nas políticas públicas!
Movimento Morar em Lisboa
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico