“Sem 12 de Março e Que Se Lixe a Troika, não teria havido ‘geringonça’ e o país não teria o único Governo não austeritário da Europa” – Guya Accornero
Mas Accornero aponta para movimentos relativamente novos, como o Habita e o Stop Despejos!, que “já fazem um trabalho incrível quando o direito à habitação está cada vez mais em risco”. Labrincha fala de um activismo que se abriu, saiu de Lisboa e do Porto, e se atomizou em movimentos que trabalham em diferentes áreas, chegando assim cada vez a mais gente. E sim, também ele, um dos organizadores do 12 de Março, acredita que sem esse dia o Governo actual nunca teria existido.
Lembrando os obstáculos enfrentados por menos de meia dúzia de “putos mal chegados a Lisboa” até serem levados a sério e encontrarem pessoas como Raquel Freire e Sérgio Vitorino, especialmente activos no movimento LGBT, que acreditaram neles e, de certa forma, os “validaram”, Labrincha sabe que foi tudo muito rápido. O protesto foi organizado e promovido entre o início de Fevereiro e a data do tudo ou nada, mas na sua cabeça ficou “a sensação de meio ano de trabalho com poucas horas de sono”.
MOMENTO EXTRAORDINÁRIO
O dia 12 de Março, a partida no Marquês de Pombal, as pessoas que chegavam à Avenida da Liberdade pelas laterais, aquela gigantesca massa humana mudou-o para sempre. “Foi o dia mais incrível da minha vida e um momento que recordo até hoje com muita emoção”, descreve. “Foi extraordinário. E foi o momento em que percebi que a minha vida seria dedicada ao activismo. Isso também trouxe um peso, uma responsabilidade, mas que eu tenho prazer em assumir.”
Sem o apoio de gente que não quis dar a cara, mas que os ajudaram a chegar à imprensa e a outros activistas, nada teria sido possível. “Mas também só tivemos o sucesso que tivemos por causa da nossa espontaneidade, por usarmos uma linguagem nova, sem vícios, por tudo o que nos fez ser e parecer algo realmente diferente”, analisa.
Depois há o orgulho. Aos 27 anos, idade que tinha em Março de 2011, Labrincha sente que ajudou a “fazer a ponte entre as Primaveras Árabes e os protestos em Espanha”, que começariam em Maio, “ou os movimentos Occupy” em Londres, Washington e, com menos dimensão, em cidades de toda a Europa, ou, mais tarde, o próprio movimento do Parque Gezi, de Istambul.
O que nos revolta hoje não é, afinal, assim tão diferente do que revoltava quem fez o Maio de 68. Faltam-nos as estruturas tradicionais, sindicatos e partidos, ganhámos as redes sociais e soubemos reinventarmo-nos.
“Saí à rua a medo, primeiro não vi quase ninguém, pensei que era um fracasso, depois começaram a aparecer pessoas vindas de todos os lados…” A frase é de Lina ben Mhenni, activista tunisina, mas podia ser do português João Labrincha ou de um dos primeiros espanhóis a acampar no centro de Madrid. É quase igual à que ouvimos em conversa com Alaa al-Aswany, um dos grandes cronistas da revolta egípcia, roubada uma e outra vez pelos militares. Aswany falava do dia em que um milhão fez transbordar a Praça Tahrir do Cairo. Labrincha tem na cabeça o 12 de Março de 2011, data da primeira de várias manifestações, as maiores em Portugal desde o 1.º de Maio de 1974.
Labrincha deixa um aviso: “Imagino que um próximo Governo mais conservador em Portugal deva ter medo. Agora, há raízes e bases que não tínhamos. No momento em que voltar a ser preciso reagir, isso vai acontecer com muito mais força e foco.”
Agora, pelo menos em Portugal, “respira-se melhor”, diz Labrincha. “Há menos fome, menos precariedade, existe uma janela de esperança. Continuamos a ter um desemprego enorme (mascarado) e muita precariedade, mas os pequenos avanços, como a actual solução governativa, ajudam a que haja um espírito menos pesado. Há mais alegria e as dinâmicas são mais de construção do que de contestação”, diz o activista que continua na Academia Cidadã, que co-fundou na sequência do protesto da “geração à rasca”, e se mantém envolvido em diferentes movimentos.