Okupas sénior entre Belas e Queluz
Às portas de Queluz aprendemos a aplicar um novo conceito: quinta okupa.
O Sr. Patrício é okupa na Quinta das Andorinhas. É uma okupação que dura há mais de 40 anos, o que faz do Sr. Patrício (e afirmamo-lo com todo o respeito) um okupa sénior. Divide o terreno, que é propriedade privada, e não do Estado, com pelo menos mais uma pessoa. Esta quinta okupa fica ali entre Belas e Queluz, sendo que não é única, nas redondezas. Podem ver-se, tanto para baixo (em direção ao rio), como para cima (em direção à serra), dezenas de outras quintas okupas, organizadas em socalcos, bem tratadas. No caso do Sr. Patrício, a Câmara Municipal de Sintra (CMS) fê-lo assinar uma declaração, na qual ele se compromete a desocupar o terreno, caso haja interesse nisso, seja por parte do dono, seja por parte do próprio Estado. Gosta de tratar da quinta, e fá-lo sobretudo para se entreter: faz criação de animais (tem um pombal) e cultiva algumas frutas e legumes (cebola, alho, tomate, pêssego, romãs). Contudo, diz que as relações entre os okupas locais não são as melhores. Já sofreu bastantes assaltos e confia pouco ou nada nos vizinhos. Para regar, ou utiliza água de um poço que existe na quinta, ou então vai buscar água ao Jamor, através de uma bomba. Todas as quintas em torno, afirma, são regadas pela água do Jamor – a comprova-lo está o intrincado sistema de tubagens que se pode observar pela serra acima.
O Sr. José é um okupa sénior de um pequeno terreno situado na margem direita do Jamor, um pouco mais abaixo da Quinta das Andorinhas, já mesmo à entrada de Queluz. Foi um cunhado seu, igualmente okupa, quem lho passou, há mais de 25 anos. Um olhar rápido sobre a horta foi o suficiente para vermos como estava bem trabalhada: batatas, feijão, cebolas, tomates, couve portuguesa, alfaces, pepinos foram algumas das plantações que conseguimos reconhecer. Também identificamos algumas árvores: figueira, romeira, marmeleiro. Para a rega, também utiliza uma bomba que transporta a água do rio – todos os okupas têm uma bomba, diz. Ali pelos vistos existe um melhor ambiente de vizinhança entre os okupas, existindo a partilha de máquinas e ferramentas, ou ainda a troca direta de produtos hortícolas. O Sr. José leva de tal forma a sério a atividade hortícola, que até foi tirar uma licença para poder aplicar produtos agro-químicos nas suas culturas, e dá o exemplo do sulfato. Dependendo da época, há dias em que passa de manhã à noite a trabalhar na horta. Quando as horas do dia já não chegam para dar conta do trabalho, há um irmão que o vem ajudar. Acha que hoje em dia o Jamor está limpo, e tal acontece graças ao cano coletor que foi instalado ao longo do rio, e que impede que este seja contaminado por águas sujas. Também as ações de limpeza realizadas pela CMS ajudam na manutenção do rio – ainda há dois dias esteve ali a cortar mato desordenado das margens e a retirar lixo do fundo. Mas ele – assim como os seus vizinhos okupas, assegura – são igualmente responsáveis pela limpeza do rio, retirando plásticos e outros materiais que, trazidos pelo caudal, por ali encalham. Queixa-se que, apesar de tudo isto, infelizmente há pessoas que continuam a não respeitar o rio, atirando lixo ou fazendo descargas de produtos poluentes. De resto, afirma ser igual cultivar aqui, no meio da cidade, ou na província, haja água para regar. Tem outro terreno okupa, mais para o alto da serra: apesar de aí não ter a água do rio, mesmo assim ainda consegue produzir favas, couve portuguesa, tem lá 7 figueiras a dar figos. Ainda no outro dia apanhou mais de 15 quilos deles, que, vendidos na estação de comboios, renderam mais de vinte euros.
O Sr. Camões, o terceiro okupa sénior que conhecemos nesse dia, estava já a sair da horta quando o apanhamos. Foi com grande amabilidade que voltou a abrir a porta improvisada do seu pequeno terreno okupa. Alentejano de origem, vive em Lisboa há quase 50 anos e está ali há mais de 30. Tem gosto em tratar da horta, dá para se entreter durante a reforma, e não estar metido em casa todo o dia. O Sr. Camões tem claramente um espírito coletor, tem a sua horta cheia de objetos, uns de pura utilidade agrícola, outros com finalidades, diríamos, mais ornamentais. Destacam-se as dezenas de reservatórios de água, espalhados por toda a horta, e feitos a partir dos mais diversos materiais improvisados (frigoríficos, banheiras, penicos, garrafões, baldes, etc), que servem para os dias em que a água do rio não corre tão bem. À semelhança dos seus colegas okupas sénior, elogia a limpeza do rio, que se deve na sua opinião não só graças às ações de limpeza levadas a cabo pela CMS (afirma que o rio é limpo, mais ou menos, de dois em dois anos), como também àquelas que são feitas pelos que okupam as margens do Jamor. Na verdade, esta é uma situação “win-win”: muitas vezes os materiais retirados do rio servem para utilizar nas próprias hortas – como por exemplo as canas, que servem para construir infraestruturas. Não falou muito dos vizinhos, mas foi ele quem finalmente nos clarificou como se dá o processo de okupação das margens do Jamor: “eles passam [os terrenos] de uns aos outros”.