Um oásis dentro de uma gruta.
Penso que já aqui dissemos o quão paradisíaco é o lugar onde o Sr. José Amaral tem a sua horta.
É que, à primeira vista, ninguém daria nada por aquilo: no subúrbio de Queluz de Baixo (subúrbio de subúrbio, portanto), escondido por trás de prédios de construção barata dos anos 90, praticamente por baixo da endémica IC19, perdido num vale profundo e onde o sol apenas consegue entrar de esguelha. Para lá chegar é preciso descer uma ladeira que é praticamente a pique, com muito cuidado, para não escorregar nas pedras de calcário negro, gastas pelo uso e pelo tempo. Os latidos dos cães dos casinhotos construídos nos socalcos que ladeiam a íngreme descida avisam-nos que nos aproximamos de um outro universo, de uma nova realidade: aquela em que os mamarrachos dos anos 90 deixam de se ver e o IC19 deixa de se ouvir; uma nova realidade pintada de verde, verde, verde, com uma banda sonora feita de vento a passar nas folhas das árvores, o piar das aves e, a embalar, o burburinho do Jamor. “É como um oásis dentro de uma gruta”, descreveu poeticamente alguém que por lá passou.
A entrevista ao Sr. José correu lindamente, conforme se esperava. Falar não é um problema para aquele bom homem, e agarrado ao seu cajado, quase sem nenhuma pergunta feita, lá nos contou tudo: a história da vida dele, a história da sua horta e a história da vida dele na sua horta.
Ainda nos apresentou a um dos seus vizinhos hortelãos, o Sr. Rui Oliveira, moçambicano de gema, a viver em Portugal há quase 30 anos. Como foi ali parar? Ele explicou: vivia no Pendão, em Queluz, e era feliz, mas sentia que lhe faltava alguma coisa na vida. Foi o filho que lhe deu a dica, “e se okuparmos uma horta?” Meu dito, meu feito, investiram em ferramentas, limparam o terreno das silvas invasoras, criaram canteiros, instalaram um sistema de canalização até ao rio, mais um tanque de rega e construiram até uma casinha, feita de madeira reaproveitada, de apoio à horta. Hoje têm ali uma bela quinta okupa. Tão bela que entretanto o Sr. Rui foi viver para a outra margem, na Quinta do Conde, e tem pena de a largar. Diz que, mais do que poder ter comida boa e barata (e ali já tem de tudo, entre couves, alfaces, chuchus, videiras, nespereiras, figueiras, etc), o que lhe dá gosto é ver as coisas a crescer e a dar…