[artigo redigido por Leonor Duarte, Sara Aranha e Joana Dias]
No passado dia 15 de março, no Lisboa Vadia, teve lugar mais um debate sobre a turistificação de Lisboa, depois da projeção de Cidade Guiada, documentário realizado por Catarina Leal.
Foi uma noite cheia de ideias, com a presença da realizadora Catarina Leal, do investigador e professor João Seixas e de Joana Jacinto, fundadora do projeto Lisbon Sustainable Tourism. Com eles, protestamos, discutimos ideias e preocupações, mas também procurámos soluções para um fenómeno que muito tem afetado todxs nós.
Como é que se paga 2€ por um copo de vinho que, ainda por cima, não é nada de especial?
Muitas foram as críticas e as perguntas. Foi um momento forte, onde se ouviram pessoas de várias idades, desde comerciantes a estudantes e artistas, portugueses e estrangeiros.
A Catarina Leal começou por nos revelar a sua principal motivação para este documentário, que foi tentar perceber as peculiaridades do fenómeno da turistificação de Lisboa. Contou-nos como começou a perceber as grandes mudanças, especialmente nas zonas históricas da cidade, entre as quais o bairro da Mouraria. Um negócio da China, num país em crise.
A identidade de uma cidade é orgânica, e o bairro da Mouraria, sem dúvida, é um dos melhores exemplos: desde a senhora que lava a roupa à mão, a manteigaria, até aos restaurantes, mercearias e supermercados multiculturais. Por outro lado, este bairro atrai hoje cada vez mais o negócio do alojamento temporário. Sendo um dos bairros mais multiculturais de Lisboa, e se não de Portugal, até quando a diversidade se irá manter?
Eu não sou contra o turismo, mas a cidade já não é para nós. Já não conseguimos viver na cidade.
Se pensarmos que as duas maiores forças imobiliárias no bairro da Mouraria são a Igreja e a Câmara Municipal de Lisboa, perguntamo-nos: porque estamos a perder cada vez mais espaço público, esse que é, para muitas pessoas, uma continuação da própria casa? Porque não se cria regulação para promover o equilíbrio na cidade entre o turismo e a vida local? Ou só nos lembramos de que a cidade precisa de ser reabilitada para a vender ao desbarato?
Falou-se do aumento exponencial dos preços das rendas da habitação e dos estabelecimentos comerciais, mas não só. E o aumento dos impostos? E a saída maciça de habitantes para o estrangeiro? E as lojas iguais e incaracterísticas por todo o lado?
Isto é o capitalismo.
Catarina Leal acredita que a forma como a indústria do turismo se tem desenvolvido na cidade de Lisboa é o reflexo de um modo de exploração capitalista da cidade, que tem trilhado caminhos de privatização e de segregação social em detrimento de soluções esperadas de um Estado social, como avançar com processos de democratização da habitação e do espaço urbano.
Muito falado foi o caso de Barcelona, onde os cidadãos fizeram uma lista que ganhou as eleições municipais. Uma das oito medidas da alcaida – no dia seguinte à tomada de posse – foi a de não permitir a construção de mais hotéis. Encetou-se o estudo sobre o alojamento local na cidade, que está agora a ser concluído, e a pressão dos empresários tem sido enorme. Uma série de outras medidas foram entretanto tomadas, como estabelecer quotas por quarteirão e legalizar tudo quanto é alojamento turístico, contra a pena de o lugar passar a integrar uma bolsa de habitação municipal por 2 anos.
Aqui, nós também queremos mais ação direta e participação cidadã. O que podemos nós fazer? Reconhecemos como o empobrecimento geral torna as populações mais vulneráveis às ofertas de venda das suas casas. É preciso encontrar um equilíbrio entre o fluxo turístico e aquilo que é genuíno. Porque os turistas também já fogem dos outros turistas.
A Câmara Municipal de Lisboa tem um papel fulcral, que é proteger o direito dos seus residentes da especulação imobiliária. Concordamos que mais atividade económica e emprego são necessários. Por isso, a Joana Jacinto afirma que não se trata de combater o turismo, trata-se, sim de regular o setor e de apostar no planeamento urbano local. Importante é defendermos os interesses dos residentes. Como disse o João Seixas: “requalificar não é revitalizar”.
Alguma coisa já se começou a fazer: o presente debate, a Masterclass sobre Gentrificação, Turismo e Citymaking. Também a petição contra o encerramento do Ateneu Comercial de Lisboa, tentando impedir que também este passe a hotel. E lembrar que os Presidentes das Juntas de Freguesia do centro histórico, que pertencem ao partido que governa a Câmara, já tomaram posição pública contra a destruição das suas freguesias.
Acreditamos que nós, xs cidadãxs, podemos tomar iniciativas por nós próprios ou nas nossas organizações, podemos influenciar xs outrxs e pressionar quem nos governa para proteger a cidade e os seus habitantes, para criar uma verdadeira revitalização urbana.
Estamos nessa?
A turistificação de Barcelona vai ser o tema do próximo Cine Café, com o filme “Bye Bye Barcelona”, dia 19 de Abril, às 21.30, sempre no Lisboa Vadia.
Até ao próximo Cine Café, quem sabe já com mais ideias para criar a mudança!